18 outubro, 2008

Especulações sobre "Xangô do Oriente"


Já tinha um certo tempo que eu vinha encafifada com a história de "Xangô do Oriente".

Tentando entender os porquês de tal terminologia procurei pesquisar, investigar, a tal "Linha do Oriente". Deixo claro, desde já que não me refiro aos Ciganos e nem tampouco aos hindús, mas sim às entidades tradicionais na umbanda (caboclos e pretos-velhos) que acabam usando um "do oriente" no final de seus nomes. O uso do "do Oriente" me intriga ainda mais quando se relacionam aos Orixás. Este é o objetivo maior da minha busca, entender o porque disso.

A primeira parte da busca partiu de uma constatação: geralmente estes guias aparecem em médius cujas coroas tem relação direta ou indireta com o Orixá Oxalá. Essa constatação ficou ainda mais patente quando descobri que um certo caboclo conhecido meu, e que eu sabia apenas que era de Yemanjá com Oxalá, me revelou ser um "caboclo do oriente".

A partir daí comecei a investigar qual relação Oxalá Mantém com o "oriente" a fim de saber se minha "hipótese empírica" tinha razão de ser.

Encontrei por acaso um artigo do Verger
Etnografia religiosa Iorubá e probidade científica que me deu uma LUZ sobre o assunto. O artigo é técnico e chatéééésimo, mas esclarece muito sobre: 1) diferenças entre mito da criação em diferentes tribos africanas; 2) imprecisões e confusões porparte de teóricos anteriores a Verger; 3) Até que ponto diferentes Orixás de diferentes tribos africanas podem ser relacionados (e essa é a parte mais interessante!)

Uma passagem do artigo, em especial, acabou lançando uma luz sobre a minha busca. Cito:

O casal divino dos Fon, do qual um único membro é citado por Bertho, deveria ser Lissa-Mawy, adaptação Fon do casal Orixalá-Yemowo, de Ife. Sabe-se, com efeito, que esse culto (Lissa-Mawy) foi levado da região de Tchetti, habitada pelas Ana ou Ifé, por Na Wangele, a mãe do Rei Tegbessu, e instalado no Bairro Djenna, em Abemé, nos princípior do séc. XVII. Sabemos que entre os Fon (Herskovitz, 1938, v.II:101) Lissa é o elemento masculino, que simboliza o oriente, o dia, o sol e que Mawu é o elemento feminino, que simboliza o ocidente, a noite, a lua. Trata-se de um sistema dualista, mas correspondente, como vimos, ao casal Orixalá-Yemowo (...)

Interessante notar que Lissa corresponde a Orixalá (Oxalá na nossa umbanda) e Mawy corresponde a Yemowo (Iemanjá na nossa umbanda). Perceba também a relação dos elementos "Oriente", Dia (hora de Oxalá) e sol (símbolo de Oxalá).

Bom esse era o "respaldo teórico" que faltava para que eu pudesse tornar minha hipótese verdadeira. Oxalá tem mesmo relação estreita com o Oriente, que, afinal, é onde o sol nasce. E o sol é seu símbolo.

A partir disso pensei: Caboclos do oriente, tem relações estritas com Oxalá (como o caboclo que conheço), então um "Xangô do Oriente" deve ser um Xangô que tem relação estreita com Oxalá. E foi assim que encontrei Airá. Airá não é cultuado na umbanda, apenas em alguns candomblés, ou como um orixá em especial, ou como uma qualidade de Xangô cruzada com Oxalá.
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Um pouco sobre Airá por Reginaldo Prandi e Arnaldo Vallado:

Airá

Em alguns terreiros de candomblé cultua-se um grupo de qualidades de Xangô que recebe o nome de Airá. Também se acredita que Airá seja um orixá diferente de Xangô e que participa de alguns de seus mitos. O mais comum é considerar-se Airá como um Xangô branco. Vejamos algumas das subdivisões de Airá.

Airá Intilé

É o filho rebelde de Obatalá. Airá Intilé foi um filho muito difícil, causando dissabores a Obatalá. Um dia, Obatalá juntou-se a Odudua e ambos decidiram pregar uma reprimenda em Intilé. Estava Intilé na casa de uma de suas amantes, quando os dois velhos passaram à porta e levaram seu cavalo branco. Airá Intilé percebeu o roubo e sabedor que dois velhos o haviam levado seu cavalo predileto, saiu no encalço. Na perseguição encontrou Obatalá e tentou enfrentá-lo. O velho não se fez de rogado, gritou com Intilé, exigindo que se prostrasse diante dele e pedisse sua benção. Pela primeira vez Airá Intilé havia se submetido a alguém. Airá tinha sempre ao pescoço colares de contas vermelhas. Foi então que Obatalá desfez os colares de Airá Intilé e alternou as contas encarnadas com as contas brancas de seus próprios colares. Obatalá entregou a Intilé seu novo colar, vermelho e branco. Daquele dia em diante, toda terra saberia que ele era seu filho. E para terminar o mito, Obatalá fez com que Airá Intilé o levasse de volta a seu palácio pelo rio, carregando-o em suas costas. Nesta qualidade, Airá Intilé dá a seu devoto um ar altivo e de sabedoria, prepotente, equilibrado, intelectual, severo, moralista, decidido.

Airá Ibonã

É considerado o pai do fogo, tanto que na maioria dos terreiros, no mês de junho de cada ano, acontece a fogueira de Airá, rito em que Ibonã dança acompanhado de Iansã, pisando as brasas incandescentes. Conta o mito que Ibonã foi criado por Dadá, que o mimava em tudo o que podia. Não havia um só desejo de Ibonã que Dadá não realizasse. Um dia Dadá surpreendeu Ibonã brincando com as brasas do fogão, que não lhe causavam nenhum dano. Desde então, em todas as festas do povoado, lá estava Airá Ibonã, sempre acompanhado de Iansã, dançando e cantando sobre as brasas escaldantes das fogueiras.

Nessa qualidade, os seguidores de Airá têm espírito jovem, perigoso, violento, intolerante, mas são brincalhões, alegres, gostam de dançar e cantar.

Airá Osi

É o eterno companheiro de Oxaguiã. Um dia, passando Oxaguiã pelas terras onde vivia Airá Osi, despertou no jovem grande entusiasmo por seu porte de guerreiro e vencedor de batalhas. Sem que Oxaguiã se desse conta, Airá trocou suas vestes vermelhas pelas brancas dos guerreiros de Oxaguiã, misturando-se aos soldados do rei de Ejibô. No caminho encontraram inimigos ao que Osi, medroso que era, escondeu-se atrás de uma grande pedra. Oxaguiã observava a disputa do alto de um monte, esperando o momento certo de entrar nela, mas, para sua surpresa, percebeu que um de seus soldados estava de cócoras, escondido atrás da pedra. Sorrateiramente Oxaguiã interpelou seu soldado e para sua surpresa deparou-se com Airá que chorava de medo, implorando seu perdão, por haver enganado o grande guerreiro branco. Oxaguiã, por sua bondade e sabedoria, compadeceu-se de Airá Osi. No entanto, como punição pela mentira de Airá, decidiu que naquele mesmo dia o jovem voltaria à sua terra natal vestindo-se de branco e nunca mais usaria o escarlate, devendo dedicar-se a arte da guerra para poder seguir com ele em suas eternas batalhas.

Os filhos de Airá Osi são considerados jovens guerreiros, lutam pelo que querem, mas as vezes deixam-se enganar pela impetuosidade. São calmos, não tidos a trabalhos intelectuais, são amorosos, alegres e sentimentais.

São muitas as invocações ou qualidades de Xangô, que, como vimos, se juntam às outras tantas de Airá. Em diferentes países e regiões da diáspora africana em que a religião dos orixás sobreviveu e prosperou, há diferentes variantes das qualidades dos orixás, pois cada grupo, geograficamente isolado, ao longo do tempo, acabou por selecionar esta ou aquela passagem mítica do orixá. Muitas foram esquecidas, outras ganharam novos significados. Cada qualidade é representada por diferentes cores e outros atributos, de modo que, pelas vestes, contas e ferramentas, ritmos e danças, é possível identificar a qualidade que está sendo festejada, principalmente no barracão de festas dos terreiros. Não só por esses aspectos, mas também pelas oferendas votivas e pelos animais que são sacrificados em favor da divindade.

O culto se multiplica, o poder de Xangô se expande. Faces diferentes para outras faces. Diz um oriki:

Òlò áwá la wulú

Olodó òlò odó

Oyá walé ni ilè Irá

Sangò walé ni Kosó.

Senhor do som do trovão

Senhor do pilão

Oiá desaparece na terra de Irá

Xangô desaparece na terra de Cossô

Xangô de Oió, Xangô de Cossô. Da África e das América. Xangô é um e é muitos, mas, como indica o sentimento dos devotos, essa multiplicidade pode ser reunida numa só pessoa: Xangô. É o mesmo que dizer, nas palavras de pai Pércio de Xangô, babalorixá do Ilê Alaketu Axé Airá: É tudo Xangô.

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E assim termina minha "aventura" em busca do "Xangô do Oriente". Este "tal" que tantos umbandistas estranham, não é nada mais, nada menos que Airá que deu um "jeitinho" de entrar na Banda....

That's It!!!

=)





Um comentário:

Mauricio Georgevitch disse...

Super bacana sua pesquisa.Me ajudou.Obrigado!